Em lapidação...

Conto - Exercício 2 - Marcelino Freire




Feito um milagre daquele momento, a porta se fechara. Um presente, depois de muita vida, ainda que não tenha sido tão viva, estava recebendo. Prático e sensível, desde que sua filha partira, João esperava anos para encontrá-la.

A menina, tinha caído de bicicleta, no dia que fazia treze anos. Um cachorro passou correndo atrás de um gato, no meio da rua, a menina se desequilibrou, um caminhão parou em cima, fazendo parar seu coração de susto.
João também fazia aniversário no dia, era quarenta, número que se repetia na placa do caminhão ao lado dos treze da menina. Isso mesmo, a maldita placa era 1340.
Enquanto a ladainha estava sendo cantada do lado de fora, em cima, João olhou para o teto do caixão e viu o número 80, era sua idade. O cérebro do João, trouxe à sua mente todos os números de forma crescente fazendo-o perceber que a soma de todos, davam no número 16, que correspondia àquele dia, o dia que perdeu o controle do caminhão batendo numa bicicleta parada e finalmente morrido.
Como que para passar o tempo, João pensou nestas coisas, porque não era nada místico.
A ladainha ainda continuava e ele precisava esperar pra sair, porque tinha um primo médium e bisbilhoteiro que poderia vê-lo e atrapalhar o espírito que estaria a teu serviço para levá-lo até a sua filha.
João era corpo morto que não se mexe, isso já sabia, mas, estava louco para atravessar madeira, tijolos e terra, tudo como há muito imaginou de alma sem corpo, não de corpo e alma como ouvira alguém dizer a pouco na ladainha de cima.
E agora que era só alma, não via muita diferença, salvo o tempo que parecia ter alguma coisa, um tempo diferente, não sabia ao certo se ainda já tinha chegado a noite, naquele dia com chuva.
Fechou os olhos, viu muitas sombrinhas, “que gente chata é esta que vem pro velório de um velho, na chuva?” João tinha coração morto, mas sentia. E foi no meio de uma delas, no meio das sombrinhas pretas que viu uma vermelha e lembrou de um dia vivo com sua filha.
Voltavam da escola. Viu seu short vermelho, seus passinhos de congas, puxando sua camisa, e apontando um cachorro sarnento. A menina, tinha febre se João não fazia as coisas que ela queria. Então, eles trataram das feridas do Hot Cão até sarar. O cachorro foi o único que sobrou da família. Onde ele estaria?
Ouviu alguma coisa que veio de cima, o tempo agora, parecia igual e a ladainha tinha acabado. O que havia em cima do seu metro de concreto? Sininho balançando, unha cavando, que barulho de inferno, unha que não quebra, não tinha terra em cima, cavando o quê? O sininho tava a mil. Dali onde estava podia saber tudo, mas, depois de pensar em tudo o que poderia, identificou que gente não era. E saiu esquecendo de algum médium bisbilhoteiro e até mesmo do teu sonho da estréia, de atravessar limiares da sua despedida dos dias cumpridos
Saiu de pé e viu Hot Cão pulando e caindo de todos os lados por cima de si, o cachorro atravessava e ia, de novo por trás, e a mesma coisa. João, parado, ficou desesperado por não conseguir atingir lágrimas de fato. Voltou para teu alambrado sem se despedir, e ali ficou até o cão ir crispado com o short vermelho na boca depois de meia noite. Acordou há anos luz sem aparência sua ou coisa nenhuma pra começar a viver outra vez.

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