Ponto


Uma frase compositora morava numa cidade molhada de palavras. Lá, fazia caminhadas na chuva para se inspirar. A cidade era um contexto de verbos apertados dentro de um ponto final alagado. Sempre chovia naquela cidade. Então, por mais que caminhasse a frase não conseguia criar.
A frase era simples. Tinha apenas uma oração, sem verbo, que dizia todo dia a céu aberto de lágrimas: “Eu oceano”. Este era o refrão que vivia dentro da frase. E ela repetia, repetia, sentindo que o mundo era muito mais que um ponto final.
O nome das palavras também era feito de água. Pingos de mar e rio, doces e salgadas viviam naquele espaço. Mesmo apertada, a frase caminhava. Depois, chegava em casa, secava-se, colocava cada palavra em sua partitura e dormia. Todo dia era assim.
Ninguém sabia que a frase era música. A chuva era muita, então, não era possível conhecer semântica sua e de outras. Mas, a frase conhecia bem a chuva. E toda vez que ela vinha, pedia para chover menos para que o ponto final fosse um começo de um texto que ela pudesse compor.
A chuva não respondia. A cada passo que a frase dava dentro do ponto, sabia que se existisse mais dois, um do lado do outro, conseguiria uma ponte para pular à uma página de cidade sequinha. E assim, estaria em outro contexto para criar.
Na sua caminhada, os dias passavam em adjetivos comuns. Ela dava bom dia e boa tarde com todas as letras a qualquer palavra que encontrava. E a noite, sonhava com o dia que teria passos largos para descobrir o sentido de suas palavras mais íntimas.
Um dia, a frase encurvada como uma interrogação, avistou um pequeno lago à margem do ponto da cidade. A frase, achou que a chuva tinha formado este lago nos últimos dias. Mas, na verdade o lago sempre esteve lá. Era o começo de um novo contexto e a frase na brevidade de suas sílabas não sabia.
Chegou na beira do ponto, e pode ver muitas palavras novas, algumas curtas outras compostas. As curtas, brincavam nadando juntas de uma ponta a outra. As compostas podavam as letras daninhas do jardim para que o lago ficasse sempre limpo.
A frase nunca tinha visto um lago com palavras felizes. Então, tímida, pediu licença para se banhar no lago. Elas disseram que seria um prazer receber uma frase cheia de água. Lhe deram algumas letras de banho que a frase vestiu e ficou muito a vontade. Saltou de um travessão e nadou feito uma exclamação.
Naquela cidade não chovia. O lago só se estendia com a frase oceano. Ela compunha cada momento transitivo doando toda a água que tinha. Os dias passavam e a frase não fazia caminhadas, nem a sua oração. Mas, nadava com estas palavras cheias de semântica. O lago era temporário, a frase não sabia.
Passado alguns dias a frase sentiu fome, mas ali ninguém comia. As palavras eram magrinhas e ela estava ficando também. A frase ficou tímida como no primeiro dia, pediu comida, mas não havia nem uma gota, nem de água, nem de palavra. A cidade tinha evaporado.
A frase ficou tonta, caiu intransitiva dentro do lago seco. Com a queda, seu corpo fez um barulho forte. Já era noite, e toda a cidade do ponto final acordou, fazendo com que transbordasse uma palavra em cima da frase. A palavra era gota. Com mais letras, a frase conseguiu subir para a borda do lago e viu que as palavras do ponto final formavam um mar em outro ponto.
Correu para mergulhar no mar e ir junto com as palavras que escorriam. Não sabia para onde as palavras iriam. Mas, pensou que o mar teria algum verbo para salvá-la. Correu para alcançar em passos largos e escorregou numa vírgula que a levou direto para o céu aberto.
No céu aberto, havia um portal de preposições num convexo de antíteses. Um verbo a esperava em frente. Ela olhou para o verbo com um medo eloqüente. Não sabia que verbo era aquele. Ele soou grave uma pergunta em sua voz. “Qual é a sua música?”
Lembrou da oração que repetia na sua cidade de ponto final e cantou e cantou, cada vez mais alto até ouvir que as palavras do outro lado cantavam em segunda voz o verbo amar. O primeiro verso era: “eu oceano”, o segundo “nós o mar”, o terceiro era o refrão que o verbo lhes ensinou a cantar em uníssono: “Nós oceano de eus a amar”. O verbo era a capa de um livro que todos iriam começar a criar.

Comentários

  1. Ju, Ficou muito bom!
    Você conseguiu o "incrível":
    Tornar seu texto inda mais visual!
    Bora Gravar isso?
    Beijos na alma pra ser eterno

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