Até sair (parte II)


Era domingo e eu estava de bom humor. A água fervia pra virar café. Lembro disso.
Eu estava ali de sorriso fresco, para abrir o jornal. A poltrona me esperando. Primeira notícia: “o pobre já perdeu”. Episódio ruim, mas, não era caso meu.
Percorri alguns cadernos e parei pra fazer o café. Eu tenho cafeteira, mas o meu astral pedia pra que eu fizesse um café estilo dindinha*. Não deu certo. Vazou tudo. Tudo bem, a Joana iria chegar já, pra limpar. Peguei o resto de água e fiz um chá. Era mesmo mais elegante ler as notícias assim.
Quando voltei para sentar, a minha gata estava lá, folgada no meu espaço. Mas, nada iria atacar o meu estado sublime, então fui para a sacada. Era muito mais elegante ler com uma brisa leve no rosto. Continuei percorrendo os cadernos numa cumplicidade amigável com o jornal que assino. E de repente: “O ponto de partida regrediu”. Nem quis saber que ponto era aquele, porque estas coisas são irrelevantes.
Um caderno, outro, fui passando, num compasso acelerado de leads. Enfim, a sessão de horóscopo: “Leonino o universo conspira ao teu favor, aproveite bem o dia de hoje”
Era isso. Eu só precisava da confirmação, porque eu já estava bem.
Mais um gole no café e começou uma canção, que parecia invadir a casa, a sala, mas vinha de fora, era a “canção para Elisa” de Beethoven, avistei pela janela, o caminhão de gás passando. Fechei o jornal e me inspirei a caminhar.
O meu traje poli esportivo estava super confortável e é era para o Parque da Aclimação que eu iria. Sim, porque o nome tinha clima, e sendo eu, dono do meu próprio destino podia decidir para que lugar iria.
Eu estava bem, atravessando a rua com cautela, protegido por toda a ciência do mundo e daqui a pouco iria tomar H2O sabor morango. Abri o portão e dei de cara com o marceneiro da frente. “E ai Rogério, tudo em cima?” que merda, tinha raiva dessas perguntas bregas. “Sim , tudo em cima” era verdade, mas o que ele queria dizer com isso? Será que estava dizendo da minha barriga? Bem provável... mas, este velho está aí de marceneiro hás vinte anos, que moral tem pra falar ?
As pessoas são invejosas, sabe. São mesmo. Você está ali conquistando seu espaço, acordando cedo todo dia e sempre tem um que quer te passar para trás. Eu não sou assim não, faço minhas obrigações, pago meus impostos, tudo certinho.
Ai que susto, “O sinal está verde, entendeu? ver-de ! Você não enxerga não?” Que falta de educação in-su-por-tá-vel! Que horror, quase me atropelou. Mas, nada vai balar o meu bom humor, porque hoje eu acordei bem.
Virei a esquina e um menino sujo com um pacote de chiclete na mão me parou. Não agüento estas coisas... gente vamos ser adultos, quem vai querer chupar qualquer coisa assim? E de manhã?! “Sai, menino, sai, sai, que eu to com pressa”...
A gente precisa ter foco, muito foco pra não perder a calma com esta deselegância toda. E se eu não tivesse uma cabeça boa, iria fazer uma loucura qualquer dia destes, mas nada e nenhum ser deste planeta, nenhum, vai abalar o dia de hoje !!!
Ai, ta vibrando quem será que é? Robsleno? Esta hora? Mas o que será que esta bicha quer logo de manhã? Ai nem vou atender, provavelmente vai pedir dinheiro pra pagar alguma conta daquela espelunca que é salão dele. Deixa eu desligar senão não vou ter paz pra fazer a minha caminhada.

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